terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Mitos e confusões: Cerveja x Chopp (1)

Muitos são os fatores que contribuem para que a cerveja brasileira tenha tantas confusões, informações incorretas, mitos e desinformação. Em uma pequena série (Mitos e confusões) vou tentar elucidar alguns que considero os principais mitos e dúvidas relacionada a cerveja.
Nesse primeiro post vou abordar uma dúvida muito comum do público em geral e muitas pessoas ja me perguntaram:

Qual a diferença entre cerveja e chopp?

NENHUMA, só no Brasil existe essa diferenciação. O processo de produção e os ingredientes são os mesmos. A confusão começou como uma herança dos imigrantes alemães que pediam um chopp no balcão do bar. A descrição correta é Schopp e é uma medida alemã que corresponde a 300ml, ou seja, ao pedir um chopp o alemão estava pedindo um copo de cerveja de 300ml servida do barril. Se você for na Alemanha e pedir um chopp o garçom vai ficar olhando e vai perguntar de qual cerveja.
Com o tempo não só os imigrantes alemães, mas todas pessoas pediam chopp quando queriam tomar uma cerveja direto do barril. Então o governo através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) criou uma regra:

A cerveja em barril, não pasteurizada seria chamada de chopp, já quando engarrafada (ou lata), que passa pelo processo de pasteurização, seria chamada de cerveja.

O processo de Pasteurização consiste em aquecer as garrafas e "matar" as leveduras responsáveis pela fermentação e o CO² deixando assim a cerveja biologicamente estável, podendo ficar em temperatura ambiente, nas gandulas dos supermercados e com um prazo de validade maior.

A cerveja engarrafada ou em barril que não passa pelo processo de pasteurização precisa ficar em ambiente refrigerado. Em temperaturas baixas as leveduras presentes na garrafa entram em estado de dormência. Se ficarem em temperatura ambiente e ainda existir "alimento" para essas leveduras elas continuarão trabalhando e aumentando a pressão na garrafa até que a mesma exploda ou a cerveja fique com uma carbonatação excessiva.

A diferença então seria a pasteurização?

Seria, mas não é.

Confuso? A confusão fica melhor ainda agora que as grandes cervejarias fazem pasteurização até nos barris, então a diferença já não existe mais.



Para tornar a coisa mais divertida é comum ver cervejarias vendendo chopp em garrafa, ainda mais cara do que sua versão em cerveja pasteurizada.



Vemos garrafas que no rótulo diz "não pasteurizadas" mas estão em temperatura ambiente em prateleiras dos supermercados e lojas especializadas.



Podemos ver a da palavra Chopp no rótulo de muitas cervejas engarrafadas como por exemplo na garrafa da cerveja Brahma. Puro marketing.




Como eu disse acima, essa diferenciação só ocorre no Brasil, em outros países se especifica como você quer a sua cerveja. No barril (por exemplo Draft Beer nos EUA ou Vom Fass na Alemanha ) ou em garrafa (Bottle Beer ou Bierflaschen).

Mas alguém pode dizer: "mas a cerveja no barril é melhor". Sim, realmente é muito melhor. É melhor o sabor, o aroma e até a aparência. Geralmente é uma cerveja mais fresca, da uma sensação de ser mais leve e fácil de tomar. A pasteurização mata as leveduras em suspensão na cerveja e mata também parte do sabor e aroma.

Como devemos chamar?

Muita coisa esta mudando no cenário cervejeiro do Brasil, recentemente o MAPA reuniu representantes de grandes cervejarias, micro cervejarias, cervejeiros caseiros e outros especialistas para definir uma revisão dos Padrões de Identidade e Qualidade das cervejas no Brasil. Com tanta coisa que precisa mudar, acredito que essa nomenclatura nem precisa entrar no texto, mas eu considero errado chamar de chopp a cerveja servida em barril então eu chamo de cerveja na pressão. Acredito que seja o termo que melhor se adapte a nossa realidade.




Alguns eventos e algumas micro cervejarias tem a consciência de mostrar para os consumidores que essa diferença, na verdade, não existe.


Como exemplo cito o Festival da Cerveja Gaúcha que foi um grande sucesso de público e cervejas com a presença das melhores micro cervejarias do Rio Grande do Sul. Em todas as mídias utilizadas para a divulgação do evento deixavam claro que seriam mais de "90 cervejas em barril". O comercial que rolou na TV você pode assistir clicando aqui.







O mais importante de tudo é sabermos que cerveja é cerveja. Seja ela enlatada, engarrafada ou embarrilada. Que seja boa e que a fonte nunca seque.

No próximo Mitos e confusões vou estar falando sobre o mito que gira em torno da água na produção de cerveja. Até breve.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Escolas cervejeiras

Quando vamos falar nas origens das cervejas de qualidade obrigatoriamente precisamos passar pelas principais "escolas cervejeiras", que são na verdade países que desenvolveram características específicas em suas cervejas. Essas características vão de variedades de insumos locais (especiarias, frutas, variedades locais de lúpulos, leveduras) e até mesmo eventos e Lei que define os ingredientes.

Hoje podemos destacar 4 principais escolas cervejeiras:

A escola Alemã, onde através da Lei da Pureza de 1516 (Reinheitsgebot) ficou determinado que só se poderia produzir cerveja com 3 ingredientes (água, malte e lúpulo) na época ainda não se dominava o processo de fermentação, posteriormente foi incluído a Levedura como ingrediente permitido.
Vigente até os dias de hoje, apenas 16 anos mais nova que o descobrimento do Brasil, a Lei de Pureza alemã constitui um dos mais antigos decretos alimentares da Europa.
Essa talvez seja a escola mais seguida pelas micro cervejarias artesanais, é fácil encontrar cervejas que estampam com orgulho no rótulo "Produzida de acordo com a Lei de Pureza da Alemanha". O que nem sempre é sinônimo de qualidade, mas a chance da cerveja ser ruim é muito pequena.
Quando algum amigo que esta querendo conhecer cerveja além das comerciais e me pergunta quais comprar eu sempre recomendo começar por alguma puro malte, que siga a Lei de Pureza.
Por ser aceito apenas os 4 ingredientes básicos na produção, é uma escola muito rígida. Os alemães tiveram que desenvolver inúmeras técnicas e muita pesquisa em cima da cerveja, insumos tecnologia nos equipamentos para fazer cervejas fantásticas com diferentes variedades, sabores, aromas, cores e características com apenas os quatro ingredientes permitidos.
Uma característica muito legal da Alemanha é que cada cidade tem sua cervejaria, por menor que seja, sempre tem uma cervejaria local, isso quando não é mais que uma e até dezenas. É um povo defende e apoia as cervejarias locais, entende, gostam e consomem muita cerveja, celebram a cerveja diariamente nos biergartens e a maior festa cervejeira do mundo é alemã, a Oktoberfest.
Se fizer uma pesquisa no Google de imagens para a palavra "Alemão" aparece o alemão de traje típico tomando cerveja.
Podemos citar como clássicos dessa escola os estilos German Pils, Bohemia Pils, Helles, Weizen, Kölsch



A Escola Inglesa se caracteriza por ser muito difundido as cervejas de Alta Fermentação (Ale), são cervejas mais complexas, mais amargas, secas e costumam ser menos carbonatadas e bem mais alcoólicas.
A escola é tão antiga quanto a alemã, porém passou por grandes mudanças. Antes do século VX  as cervejas eram doce, forte e muito alcoólicas, uma herança do hidromel, que era a bebida mais popular nas Ilhas Britânicas na idade média e passaram a tomar cerveja. A partir do século XV vem a segunda grande mudança: Passaram a utilizar o lúpulo nas cervejas, que deixaram de ser doce e passam a ser cada vez mais amargas.
No século XVI começa o desenvolvimento de colonias inglesas pelo mundo, a cerveja era levada em navios e precisava resistir por longo tempo em barris nas viagens, num tempo onde não havia refrigeração. A solução era colocar grande quantidade de lúpulo na cerveja, que por ser um conservante natural garantia a qualidade da bebida durante as longas cruzadas marítimas.
Oficiais do Exército Britânico que residiam na Índia durante o período colonial eram abastecidos com essas cervejas, assim nascia o estilo India Pale Ale.
Na segunda metade do século XX as grandes cervejarias e suas Lagers começaram a dominar o mercado com cerveja barata. Pequenas cervejarias começaram a fechar e até estilos tradicionais estavam desaparecendo. Surge então um movimento de consumidores, liderado por 4 amigos que, revoltados com a falta de qualidade das cervejas criam o Campaing for Real Ale CAMRA (Campanha pela Ale de verdade). Um movimento que rapidamente conseguiu milhares de adeptos, com muita pressão politica, boicote a cervejarias e pubs que haviam abandonado as Ale tradicionais e através de pressão conseguiram do governo incentivos fiscais aos produtores artesanais e conseguiram mudar o cenário cervejeiro.
O CAMRA é considerado o movimento de consumidores mais bem sucedido na Europa e hoje conta com mais de 150.000 membros em todo o mundo. Fomentam a cultura cervejeira através de eventos, concursos cervejeiros, certificação para pubs e cervejarias, dentre outras ações.
Como estilos da escola podemos citar a Stout, Porter, India Pale Ale, Barley Wine, Brown Ale.



A Escola Belga, talvez seja o berço dos cervejeiros mais criativos.
Considerada por muitos o paraíso das cervejas.
São dezenas de estilos próprios e a utilização de inúmeras especiarias na cerveja, como por exemplo o coentro e cascas de laranja na WitBier. Utilizam muita fruta também, especialmente nas cervejas de fermentação espontânea, onde a cerveja é fermenta por leveduras selvagens em tanques abertos, as chamadas Lambic.
As Lambics merecem uma atenção especial, em qualquer parte do mundo se você for visitar uma cervejaria vai encontrar um ambiente extremamente limpo e controlado, com tanques de inox que facilitam a a higienização e controle anti-bacteriano. Já na Bélgica, nas cervejarias que produzem as cervejas Lambics, ficam com as portas e janelas escancaradas, o ambiente é úmido, com mofo nas paredes, insetos, teias de aranha e a cerveja em tanques abertos, só esperando as leveduras selvagens fermentarem o mosto. É uma cerveja selvagem, com muita acidez, um toque amadeirado e vínico. Ganham suavidade quando adicionam frutas como cereja (Krieg) ou framboesa (Framboise) ou ganham características e eferverscência que remetem ao espumante quando recebem a mistura de Lambics com diferentes idades (Gueuze).
É preciso destacar também os mosteiros da ordem trapista onde os monges produzem verdadeiras obras primas como as Tripel, Dubbel, e Quadruppel.



Por fim chegamos na Escola Americana que até pouco tempo era caracterizada pela produção de larga escala, onde as grandes indústrias dominavam, compravam ou quebravam as menores. É a produção da cerveja barata, leve, utilizando milho e arroz para substituir o malte. O estilo é American Light Lager, essa cerveja foi exportada para todo o mundo e foi o estilo adotado no Brasil. Não, a cerveja que o brasileiro toma não é Pilsen, é American Light Lager. Essa foi a pior contribuição do país para o mundo da cerveja.
Mas tudo começou a mudar em 1978 quando o Presidente Jimmi Carter sancionou uma lei que derrubava o veto de produção caseira de cervejas. Nascia assim um movimento cervejeiro que iria revolucionar o país, o movimento batizado de Craft Beer que rompeu todos os paradigmas cervejeiros. Reinventaram e inventam estilos, não se prendem a características do estilo. São ousados e criativos, não existe regras. Mas certamente o que mais caracteriza a Escola Americana são as cervejas extremas, carregadas de lúpulo.
E as American Light Lager?
Bem elas continuam por aí, mas vem amargando uma queda inédita no consumo.
A Budweiser que sempre foi a queridinha dos americanos até década de 90, onde aparecia discretamente e gratuitamente em grandes produções de Hollyhood, chegando a ser considerada patrimônio e simbolo da cultura capitalista dos americanos, foi recentemente ultrapassada em volume pelas cervejas artesanais.
Se podemos classificar os cervejeiros da escola Belga de criativos, o que dizer dos americanos? São criativos, ousados e obstinados por cerveja.
Alguns defendem que não existe uma escola americana, que na verdade eles "apenas" reinventaram estilos. Eu discordo pois eles criaram cervejas com características únicas e o grande trunfo foi desenvolver variedades de lúpulos em solo americano com características bem particulares, extremamente aromáticos e amargos. Eu diria que é o terroir das cervejas americanas.
É fácil identificar uma cerveja com lúpulos americanos.
São vários estilos criados e recriados pelos americanos, mas experimente e se surpreenda com uma Black India Pale Ale (Black IPA) ou se encante com uma American India Pale Ale (APA).

Tudo isso era uma introdução para falar sobre o Estilo Brasileiro de Cerveja, mas o post acabou ficando longo e vamos deixar para outra hora. Vou ir tomar uma cerveja agora, Ein Prosit,



quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Confraternização CerVale RioPardo

Depois de alguns dias sem postagens no Blog em virtude das festas de final de ano e férias chegou a hora de retomar.
Primeiramente quero desejar aos leitores desse humilde Blog um feliz 2015, cheio de saúde, realizações e claro, muita variedade e qualidade nas cervejas para o ano novo.

O ano começou bem, com uma brassagem de uma cerveja nova, uma receita que criei com técnicas bem diferenciadas e com algumas particularidades. Mais alguns dias vai para o tanque de maturação e assim que estiver pronta falo sobre ela.

Antes dos novas postagens de 2015 preciso falar sobre a confraternização de final de ano da CerVale RioPardo.
Recebidos em clima de Natal

A CerVale RioPardo é uma associação sem fins lucrativos, filiada a ACerva Gaúcha, que nasceu para congregar e integrar os cervejeiros artesanais da região e divulgar a cultura cervejeira.
Inúmeras foram as ações no decorrer do ano de 2014, como excursão, visita a cervejarias, palestra, reuniões, brassagens coletivas, degustação de cervejas, participação de eventos e a realização do encontro inter-regional de cervejeiros.

Pinheiro cervejeiro
Para comemorar todas as realizações e fechar com chave de ouro fizemos a nossa confraternização de final de ano dia 21/12/2014 na propriedade da família Eidt no interior de Venâncio Aires.
A programação era degustar cerveja dos associados, assar um costelão e fazer um workshop de flavors e off flavors na cerveja.

O evento estava agendado a meses e conforme se aproximava eu ficava cada vez mais apreensivo. Uma forte onda de calor estava sobre o RS, a meteorologia e os canais de notícia estavam prevento forte temporal para a data, queda de granizo, vento acima dos 100km/h e muita chuva.


Ao sair de Santa Cruz do Sul de manha cedo fomos brindados com um dia totalmente ensolarado e muito quente, prontamente esqueci da previsão do tempo.
Será que erraram tanto assim na previsão do tempo?

Workshop: Não basta fazer cerveja, é preciso dominar os processos, saber as variáveis e conhecer as cervejas.
Muitos são os aromas e sabores que procuramos ter nas nossas cervejas, os chamados flavors. Em contra partida muitos são os problemas que podem acontecer durante os processos e trazer sabores indesejados a cerveja, o que chamamos de off flavors.
Para o cervejeiro, conhecer os defeitos que podem acontecer na cerveja e saber como evita-los é fundamental. Porém essa não é uma tarefa fácil, requer dedicação, estudo e conhecimento.
Para desenvolver essa habilidade (creio que posso chamar assim), através da CerVale RioPardo conseguimos importar kits de flavors e off flavors direto da Flavoractiv.

Análise de flavors



O kit é constituído de cápsulas, que ao ser dissolvido em alguma cerveja neutra libera e simula esses aromas e sabores.








O kit professional é composto por 20 cápsulas e nessa primeira data fizemos a análise de 10.



É muito interessante como fica evidente as características de cada flavor ou off flavor quando a cápsula é dissolvida na cerveja.



Após afinarmos nossa capacidade de análise sensorial passamos a degustar as cervejas dos associados e como sempre as cervejas surpreenderam pela qualidade e variedades. Não lembro todas, mas teve Red Ale, Dunkelweisen, Kölsch, Weiss, Saison, Dry Stout, Pilsen, dentre outras.

Franke Bier - Red Ale



Enquanto parte do grupo participava do workshop, outros ficaram responsáveis pelo churrasco, que ficou tão espetacular quanto as cervejas que estávamos tomando.






Costelão no ponto









Fila para cair




Após o almoço e tomar algumas cervejas o desafio era atravessar a fita de Slackline que esticamos sobre a piscina.







Ou tomou pouco e sabe mesmo hehe


Muitos tentaram, mas apenas o Eduardo Overbeck (dono da fita) e o Luciano Morsch (que também tem fita) conseguiram atravessar com sucesso, embora também caíram algumas vezes.






Se não vai em pé...


A brincadeira foi divertida e rendeu belas rizadas, mas pode deixar, no próximo vou propor algum desafio com bike, ai quero ver hehe.






Ao entardecer, cerveja quase acabando, era hora de voltar para Santa Cruz do Sul. Repentinamente um forte vento começou soprar, enormes pingos de chuva começavam a bater no chão. Tivemos que organizar o que dava as pressas e de repente o céu desabou.
Pegamos um forte temporal na estrada, chegando em Santa Cruz era possível ver árvores e postes caídos, fios de alta tensão no chão, muito pontos de alagamento e muita destruição causada pelo temporal.

Ai lembrei de minha preocupação quanto a previsão do tempo, eles não erraram. Mas os deuses da cerveja cuidaram para que tivéssemos um dia fantástico de troca de idéias, conhecimento, confraternização e degustação de cervejas para só depois vir o anunciado temporal.

Quero agradecer a família Eidt que nos recebeu carinhosamente em sua bela propriedade. Impossível não se sentir em casa com uma família tão querida, muito obrigado!!

A CerVale RioPardo é feita por pessoas e pelo esforço de muitos, mas é preciso reconhecer que das inúmeras atividades desenvolvidas no decorrer do ano, grande parte do sucesso se deve ao nosso Mentor-mor Guga Eidt, que não mediu esforços para que a CerVale RioPardo sempre tivesse atividades e sempre esteve puxando o pessoal.

Infelizmente nem todos os associados puderam participar da confraternização, sentimos falta!!
O workshop terá mais turmas e outras datas.

Créditos das fotos para Luciano Morsch.

Para 2015 ja estabelecemos algumas diretrizes e um pré-calendário. Muitas atividades bacana estão por vir e sempre estarei compartilhando aqui, Ein Prosit und glückliches neues jahr.